sábado, 28 de novembro de 2015

Conferência de D. Athanasius Schneider em Lisboa (Parte I)

Neste último Sábado, Lisboa teve a graça de receber D. Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Astana, Cazaquistão. Desde o berço, D. Athanasius viveu num contexto de Igreja perseguida, onde não havia nem Missa regular nem a presença de sacerdotes, pois estes eram vistos como “potenciais inimigos do regime” soviético sob o qual cresceu. 

Veio à Paróquia de São Nicolau, na Baixa de Lisboa, falar sobre a arte de celebrar. Deixamos aqui algumas notas sobre o conteúdo da sua conferência para posterior reflexão, através de uma série de três artigos, cobrindo as duas temáticas centrais – A liturgia e a reverência a Jesus Eucarístico – e uma série de perguntas e respostas colocadas a D. Athanasius.
A Arte de Celebrar – Como se diz o Céu na Terra

Parte I - Sobre a Santa Missa e a celebração litúrgica

“É Necessário reflectir sobre aquilo que é mais central na nossa Fé”

D. Athanasius sublinha que pelo facto da Santa Missa ser o acto central da nossa fé – participamos desta diariamente ou todos os Domingos – é necessária uma reflecção sobre aquilo que fazemos quando vamos à Missa. 

O que é a Eucaristia? Jesus dá-nos a resposta quando fala à Samaritana da água viva da vida Eterna: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é o que te pede: ‘dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e Ele te daria água viva” (Jo 4,10). Esta água viva é o maior dom que Deus nos poderia dar, que é a oferta de Si próprio, Corpo e Sangue, oferecido, imolado por nós e para nós. Não há maior dom do que o dom do próprio Deus! 

Quando Jesus encarnou, trouxe consigo todo o Céu para a terra e consigo o cântico que nos Céus se canta eternamente: daí o facto de nos ajoelharmos quando ouvimos o início do evangelho de João, proclamado no final de cada Missa na Forma Extraordinária: “et verbum caro factum est et habitavit in nobis”, pois assim estamos a reconhecer o Dom divino que nos foi dado.

“Não somos Anjos: também devemos ver uma certa forma de Glória de Deus Encarnado”

Se é verdade que é pela fé que vemos a Glória de Deus, também não podemos esquecer que não somos Anjos, pelo que devemos ver pelos olhos do corpo uma certa forma de Glória do Deus Encarnado. Deveríamos ver a Glória de Deus na Luz, na Santidade, na Beleza da Santa Missa. A verdade da liturgia é este “ver a Glória de Deus” e assim foi ao longo dos 2000 anos de existência da Igreja. 

Com esse fim, o livro do Apocalipse e a restante Sagrada Escritura estão cheios de indicações sobre como adorar a Deus: desde o “prostrar-se diante de Deus”, o “ajoelhar diante do cordeiro”, os anciãos que “desceram dos tronos e se prostraram”, o “cantar um hino novo” a Deus, as ofertas de incenso. Assim como a Sagrada Escritura está cheia de indicações, assim estão também os documentos da Santa Sé sobre a liturgia. 

O objectivo de tudo isto é ter um modelo para celebrar a liturgia celeste na terra. O próprio Cristo nos mostrou como adorar a Deus na terra: Cristo ofereceu a Deus orações e súplicas, com grande temor e reverência (Heb 12,28). Tal vemos na Carta aos Hebreus, 12,28, devemos servir a Deus com temor e reverência. Não um temor servil, antes filial – mas um temor!

Tal foi a atitude que sempre marcou os tempos da Igreja ao longo da sua história. Logo desde o início, ao ler os padres da Igreja vemos este espírito de temor e reverência. É através deste espírito que o Espírito Santo “deixa crescer organicamente esta árvore bela da liturgia”, que se desenvolve num reconhecer cada vez mais profundo daquilo que celebramos. 

O que muda na liturgia é sempre através de um processo orgânico: é este o princípio da renovação litúrgica, pois a liturgia é algo que cresce como uma flor, como um corpo... sem ruptura com as suas fases anteriores de crescimento. Aliás, este princípio está exposto nos documentos do Concílio Vaticano II, especialmente na Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, número 23, onde explicitamente se proíbem inovações na liturgia: apenas é admitido este processo orgânico de enriquecimento, sem rupturas. 

As reformas que se dão são dentro deste processo orgânico. Os padres conciliares são muito cautelosos quanto à admissão de reformas, admitindo-as apenas quando estas têm garantia de utilidade certa para a Igreja.

Quanto a esta questão, não nos podemos iludir, devemos reconhecer que muito do que foi feito na Santa Missa não corresponde aos princípios estabelecidos pelo Concílio Vaticano II. O próprio Cardeal Ratzinger, enquanto era perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé, reconheceu que muitas coisas na nossa Missa de hoje não correspondem ao princípio do Concílio Vaticano II. Houve ruptura.

Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam

O salmo 113 lembra-nos algo muito importante: Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam. Não a nós, senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória. Tudo o que fazemos na liturgia e o que nela damos de melhor é para Deus, não para nós. Como Não é algo para nossa honra, mas para a Glória de Deus. 

É para glorificar a Deus que se eleva o esplendor da Santa Missa. No número 2 da constituição Sacrosanctum Concilium lemos o seguinte: na liturgia, o que é humano deve orientar-se ao divino, a acção deve ser subordinada e ordenada à contemplação, o que é temporal subordinado e ordenado ao eterno e o que é terreno subordinado e ordenado ao celeste. 

Estamos a seguir este princípio? Façamos um exame de consciência: nas nossas paróquias está Deus ou o homem em primeiro lugar? Valorizamos mais a acção ou a contemplação? O Sacerdote, que é um homem e não Deus, tem a liturgia centrada em si ou apaga-se, para dar relevo a Cristo? Nós não fazemos um culto protestante onde tudo é simplesmente simbólico: de facto podemos ver a Deus na Eucaristia, na hóstia consagrada!

Nota - A segunda parte deste resumo encontra-se aqui: Conferência de D. Athanasius Schneider em Lisboa (Parte II)


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