segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Deixe-O entrar: neste Natal, dê colo a quem o não tem


Naquela manhã chuvosa e triste, foi maior a afluência de passageiros aos autocarros da carreira que, várias vezes ao dia, faziam a ligação entre um subúrbio e o centro da cidade. O motorista, já cansado pelas horas de serviço ao volante da possante viatura, parecia carrancudo. Os passageiros, num mutismo muito matinal, exibiam também caras pouco amistosas, indiferentes ante a paisagem costumeira, perdidos em cogitações à volta das suas habituais preocupações.

O ambiente crispou-se quando duas pessoas, a propósito de um lugar vago, encetaram uma discussão acesa. Ambas pretendiam o assento, a que cada qual se julgava com melhor direito. Enquanto o passageiro mais velho invocava a sua idade, a outra candidata pretendia ter sido a primeira a detectar a vaga. O motorista, sendo a única autoridade presente, tentou apaziguar os ânimos, mas sem êxito. Passageiros houve que tomaram partido, ora pela pessoa idosa, ora pela outra de meia-idade que, mais afoita, ocupou o lugar disputado para, com o facto consumado, atalhar a discussão, mas essa sua atitude suscitou um coro de vozes indignadas.

Entretanto, o autocarro travou e imobilizou-se em mais uma paragem. Desceram algumas pessoas e, depois, entrou uma jovem mãe, que trazia embrulhado num xaile o seu bebé. Apesar da falta de lugares e a recente discussão, de que ainda se ouviam alguns ecos, duas ou três pessoas levantaram-se e a mulher, agradecida, pôde sentar-se com o filho ao colo. O pequenito, de faces rosadas e olhinho muito vivo, espreitava para tudo e para todos com muita atenção. Perplexo, só sossegava quando o seu olhar se cruzava com o de sua mãe, o único rosto que lhe era familiar.

Naquele ambiente tenso e frio de uma manhã qualquer, escura e aziaga, tudo parecia sombrio, mas a presença daquele bebé logrou que as faces duras dos trabalhadores se descontraíssem e que os seus lábios circunflexos se abrissem em discretos sorrisos. Foi como se um raio de sol entrasse naquele espaço e o azul do céu florisse nos corações daquelas mulheres e homens, que pareciam condenados à dura escravidão de um trabalho servil. Um milagre escondido num menino recém-nascido.

O Natal é Deus presente num sorriso de amor. O Omnipotente fez-se visível na fraqueza do mais pequenino ser humano. Inerme, Ele desafia o poder dos poderosos. Pobre, Ele ri-se da opulência dos abastados. Perseguido e ignorado, faz-se irmão de todos os indigentes e humilhados, porque os párias deste mundo não estão esquecidos para Deus.

No silêncio da sua voz, Ele fala do amor do Pai. A sua mudez cala as discussões, o seu sorriso destrói os ressentimentos, a limpidez do seu olhar purifica as consciências, une as famílias e pacifica as nações. Porque a sua mão, pequenina mas poderosa, abençoa o mundo.

Neste Natal, quando Ele chegar e bater de mansinho à sua porta, deixe-O entrar. Prepare-Lhe, pelo sacramento da penitência, um lugar no seu coração, porque é aí que, pela Eucaristia, Ele quer nascer de novo. E, depois, faça uma paragem na sua vida, abra os seus braços e dê o seu colo a quem ainda o não tem. Porque esse menino sem ninguém é, como Jesus, filho de Deus, mas precisa, aqui na terra, de uns pais também. Pe.Gonçalo Portocarrero in Voz da Verdade

*Para o Refúgio Aboim Ascensão, com muito apreço e amizade.


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