sábado, 25 de maio de 2013

Provavelmente o melhor discurso do Papa Francisco (até agora)

Vésperas de Pentecostes com os movimentos, as comunidades, as associações e as agregações laicas. Praça de S.Pedro, 18 de Maio de 2013 


1ª Questão colocada ao Santo Padre

 “A verdade cristã é atraente e persuasiva porque responde à necessidade profunda da existência humana, anunciando de forma consistente que Cristo é o único Salvador de cada homem e de todos os homens”. Santo Padre, estas Vossas palavras calaram fundo em nós, exprimindo de modo direto e radical a experiência que cada um de nós deseja viver sobretudo no Ano da Fé e nesta peregrinação que esta noite nos trouxe aqui. Estamos diante de Vós para renovar a nossa fé, para a confirmar e reforçar. Sabemos que a fé não pode ser de uma vez por todas. Como dizia Bento XVI na Porta Fidei: “A fé não é um pressuposto óbvio”. Esta afirmação não se prende apenas com o mundo, com os outros, com a tradição de que provimos: esta afirmação prende-se antes de mais com cada um de nós. Damo-nos muitas vezes conta de como a fé é um rebento de novidade, um início de mudança, mas que depois tem dificuldade em abarcar a totalidade da vida e não se torna a origem de todo o nosso conhecer e agir.

Santidade, como conseguiu alcançar na vida a certeza da fé?

E que caminho nos indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?



Questão colocada ao Santo Padre

Santo Padre, a minha experiência é uma experiência de vida quotidiana como tantas outras. Procuro viver a fé no meio de trabalho em contacto com os outros como testemunho sincero de ser bem recebido no encontro com o Senhor. Eu sou, nós somos “pensamentos de Deus” investidos de um Amor misterioso que nos deu a vida. Eu dou aulas numa escola e esta consciência dá-me um motivo para me apaixonar pelos meus rapazes e também pelos seus colegas. Verifico muitas vezes que muitos buscam a felicidade em inúmeros itinerários individuais onde a vida e as suas grandes questões se reduzem muitas vezes ao materialismo de quem tudo quer e continua permanentemente insatisfeito ou ao niilismo para o qual nada tem sentido. Pergunto a mim mesmo como a proposta da fé, que consiste num encontro pessoal, de uma comunidade, de um povo, pode alcançar o coração do homem e da mulher do nosso tempo. Fomos feitos para o infinito – “jogai a vida para as grandes coisas!”, dissestes recentemente -, e no entanto tudo à nossa volta e dos nossos jovens parece dizer que devemos contentar-nos com respostas medíocres, imediatas e que o homem deve adaptar-se ao finito sem nada mais buscar. Estamos por vezes intimidados como os discípulos na véspera do Pentecostes.



A Igreja convida-nos à Nova Evangelização. Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio que está no íntimo das nossas experiências. Queria, pois, pedir-Vos, Santo Padre, que me ajudásseis a mim e a todos nós a saber como viver este desafio do nosso tempo. Qual é para Vós a coisa mais importante na qual todos os nossos movimentos, associações e comunidades devemos ter os olhos postos para pôr em prática aquilo a que fomos chamados? Como podemos comunicar hoje eficazmente a fé?



Questão colocada ao Santo Padre

Santo Padre, ouvi como emoção as palavras da Vossa audiência aos jornalistas após a Vossa eleição. “Como eu quisera uma Igreja pobre e para os pobres.” Muitos de nós estão empenhados em obras de caridade e justiça: somos parte ativa na presença enraizada da Igreja onde o homem sofre. Sou uma empregada, tenho a minha família e empenho-me pessoalmente como posso junto dos vizinhos e na ajuda aos pobres. Mas nem por isso me sinto satisfeito. Queria dizer como Madre Teresa de Calcutá: tudo é por Cristo. O que muito me ajuda a viver esta experiência são os irmãos e as irmãs da minha comunidade que se empenham no mesmo fito. E neste empenhamento somos sustidos pela fé e a oração. A necessidade é grande. Vós o recordastes: “Quantos pobres há ainda no mundo e quanto sofrimento encontram estas pessoas”. E a crise agravou tudo. Penso na pobreza que aflige tantos países e que também no mundo do bem-estar se veio juntar à falta de trabalho, aos movimentos migratórios de massa, às novas escravidões, ao abandono e à solidão de tantas famílias, de tantos anciãos e de tantas pessoas sem casa ou sem trabalho.

Queria perguntar-Vos, Santo Padre: como podemos eu e nós viver uma Igreja pobre e para os pobres? De que modo o homem que sofre é uma questão para a nossa fé? Que contributo concreto e eficaz podemos nós, movimentos e associações laicas, fornecer à Igreja e à sociedade para enfrentar esta grave crise que atinge a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova maneira de ser dos homens e das mulheres?



Questão colocada ao Santo Padre

Caminhar, construir, confessar. Este Vosso “programa” para uma Igreja-movimento, pelo menos tal como a entendi ao ouvir a Vossa homilia no início do Pontificado, confortou-nos e animou-nos. Confortou-nos porque nos encontrámos numa experiência profunda com os amigos da comunidade cristã e com toda a Igreja universal. Animou-nos porque de certa forma Vós obrigaste-nos a sacudir o pó do tempo e da superficialidade da nossa adesão a Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o sentimento de perturbação que uma destas palavras causa em mim: confessar. Confessar, ou seja, testemunhar a fé. Pensamos em tantos dos nossos irmãos que sofrem por causa dela como ainda há pouco ouvimos. Nos que ao domingo de manhã têm de decidir se vão à Missa porque sabem que indo à Missa põem a vida em risco. Nos que se sentem cercados e discriminados pela fé cristã em muitos, em demasiados cantos do nosso mundo.



Perante estas situações parece-nos que o meu confessar, o nosso testemunho é tímido e tem peias. Queríamos fazer outra coisa, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar os seus sofrimentos nada podendo fazer ou bem pouco para mudar o seu contexto político e social?


Respostas do Papa Francisco



Boa noite a todos!


Estou contente por encontrar-vos e pelo facto de que todos nós nos encontramos nesta praça para rezarmos, estarmos unidos e esperarmos o dom do Espírito. Eu conhecia as vossas questões e pensei nelas – isto não é, pois, insciente! A verdade em primeiro lugar! Tenho-as escritas aqui. A primeira – “como pudestes alcançar na vida a certeza da fé e que caminho indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?” – é uma questão histórica porque se prende com a minha história, a história da minha vida!


Tive a graça de crescer no seio de uma família na qual a fé era ensinada de uma forma simples e concreta, mas foi sobretudo a minha avó, a mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, que nos falava de Jesus, que nos ensinava o catecismo. Lembro-me sempre de que na Sexta-Feira Santa nos levava à noite à procissão das velas, que no fim da procissão chegava o “Cristo jacente” e que a avó nos mandava, a nós crianças, ajoelhar e dizia: “Olhem, está morto, mas amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio cristão justamente desta mulher, a minha avó! Isto é lindíssimo. O primeiro anúncio em casa, com a família! E isto leva-me a pensar no amor de tantas mães e de tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. Isto acontecia também nos primeiros tempos, porque São Paulo dizia a Timóteo: “Eu recordo a fé da tua mãe e da tua avó” (cfr. 2Tm, 1,5). Pensai nisto todas as mães que estão aqui, todas as avós. Transmitir a fé. Porque Deus nos coloca junto das pessoas que auxiliam o nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no abstrato, não! Há sempre alguma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que nos dá o primeiro anúncio. E foi esta a primeira experiência de fé que tive.



Mas há um dia muito importante para mim: 21 de Setembro de 53. Andava pelos 17 anos. Era o “Dia do Estudante”, para nós o primeiro dia da Primavera, para vós o do Outono. Antes de ir para a festa, passei pela minha paróquia, encontrei um padre que não conhecia e senti necessidade de me confessar. Foi para mim uma experiência de encontro: encontrei alguém que estava à minha espera. Mas não sei o que aconteceu, não me lembro, não sei bem porque estava ali aquele padre que eu não conhecia, não sei porque sentira aquela necessidade de me confessar, mas o certo é que alguém estava à minha espera. À minha espera há muito. Depois da confissão senti que algo mudara. Eu não era a mesma pessoa. Sentira justamente como que uma voz, um chamamento: estava convencido de que devia ser sacerdote. 

Esta experiência na fé é importante. Dizemos que devemos procurar a Deus, ir ao Seu encontro pedir perdão, mas, quando não vamos, Ele espera. Ele está primeiro! Nós temos uma palavra espanhola que explica bem tudo isto: “O Senhor sempre nos primerea”, está primeiro, está à nossa espera! Esta é de facto uma grade graça: encontrar alguém que está à nossa espera. Tu, pecador, vais, mas Ele está à tua espera para te perdoar. É esta a experiência que os profetas de Israel descreviam dizendo que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cfr. Ger, 1, 11-12). Antes que desabrochem as outras flores, ei-lo, ei-lo que nos espera. O Senhor espera-nos. E, quando o buscamos, deparamos com esta realidade: que é Ele quem nos espera para nos acolher, para nos dar o Seu amor. E isto causa em ti uma estupefação tal que não acreditas, e assim vai nascendo a fé! Com o encontro de uma pessoa, com o encontro com o Senhor. Alguém dirá: “Não, eu prefiro estudar a fé nos livros!” É importante estudá-la, mas olha que isso não chega! 

O que importa é o encontro com Jesus, o encontro com Ele, e isto dá-te a fé, porque é justamente Ele quem ta dá! Também faláveis da fragilidade da fé, no que fazer para a vencer. O maior inimigo que a fragilidade tem é – curioso, hã? – o medo. Mas não tenhais medo! Somos frágeis e sabemos disso. Mas Ele é mais forte! Se fores com Ele, não há problema! Uma criança é fragilíssima – muitas vi hoje - , mas estava com o pai e com a mãe, estava a salvo! Com o Senhor estamos a salvo. A fé cresce com o Senhor, precisamente da mão do Senhor e isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Mas, se pensarmos que nos podemos desenvencilhar sozinhos… pensemos no que aconteceu a Pedro: “Senhor, nunca te renegarei!” (cfr. Mt, 26, 33-35), e depois o galo cantou e renegara-o três vezes! (cfr. Vv. 69-75). Pensemos: quando temos demasiada confiança em nós próprios, somos mais frágeis, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer com o Senhor significa dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração… Mas também em família, com a Mãe, também com Ela, porque é Ela que nos leva ao Senhor; é a Mãe, é Ela que tudo sabe. Portanto rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como Mãe, nos torne fortes. Eis o que penso sobre a fragilidade, é pelo menos esta a minha experiência. Uma coisa que todos os dias me fortalece é rezar o Rosário a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande porque vou ao Seu encontro e sinto-me forte.



Passemos à segunda questão.



A primeira: Jesus. O que é mais importante? Jesus. Se não avançarmos com a organização, com outras coisas, coisas belas, mas sem Jesus, não avançamos, não adianta. Jesus é mais importante. Agora queria fazer uma pequena censura, mas fraternamente, cá para nós. Todos vós gritastes na praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco!”. Mas onde estava Jesus? Eu quereria que vós gritásseis: “Jesus, Jesus e o Senhor e está justamente entre nós!” Daqui para a frente nada de “Francisco”, mas “Jesus”!


A segunda questão é a oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto prende-se com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: olha-nos primeiro. A minha experiência é o que experencio diante do sacrário (Tabernáculo) quando vou rezar à noitinha diante do Senhor. Por vezes adormeço um pouquito, é certo, porque um pouco da fadiga do dia nos faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto tanto conforto quando me olha. Pensamos que devemos rezar, falar, falar, falar… Não! Deixai-vos olhar pelo Senhor. Quando Ele nos olha, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-Lo – porque a questão versava sobre a fé, não? Primeiro “Jesus”, depois “oração” – sentimos que Deus está sempre a amparar-nos com a mão. Sublinho agora a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer cálculo. Somos verdadeiros evangelizadores deixando-nos guiar por ele. Pensemos em Pedro; talvez estivesse a fazer a sesta depois de almoço e tivesse uma visão, a visão do lençol com todos os animais, e sentisse que Jesus lhe dizia algo, mas não compreendia. Nesse momento alguns não-hebreus vieram chamá-lo para ir a uma casa e viu como o Espírito Santo ali estava. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar à primeira evangelização dos gentios, que não eram hebreus: coisa inimaginável naquele tempo (cfr. At. 10, 9-33). E assim a história toda, toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. É justamente o líder; o nosso líder é  Jesus.


E terceira: o testemunho. Jesus, oração – oração, esse deixar-se olhar por Ele – e depois o testemunho. Mas eu queria acrescentar algo. Este deixar-se guiar por Jesus leva-nos às surpresas de Jesus. Podemos pensar que devemos programar a evangelização num tabuleiro, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Depois podemos fazer estratégias, mas isto é secundário.


Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé só pode ser feita com o testemunho e isto é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na nossa existência e que o Espírito Santo faz viver em nós. É como que uma sinergia entre nós e o Espírito Santo, e isto conduz ao testemunho. A Igreja é levada adiante pelos Santos, que são justamente os que dão este testemunho. Como disse João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje precisa de muitos testemunhos. Não tanto de mestres, mas de testemunhos. Não falar muito, mas falar com a vida toda: a coerência de vida, precisamente a coerência de vida! Uma coerência de vida que é viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me conduz junto dos outros e não como um facto social. Socialmente somos assim, somos cristãos fechados em nós. Não, isto não! O testemunho!



A terceira questão: “Queria, Santo Padre, perguntar-Vos como posso eu e podemos todos nós viver uma Igreja pobre e para os pobres. De que modo o homem que sofre constitui uma questão para a nossa fé? Que contributo concreto e eficaz podemos nós todos nós como movimentos e associações laicas dar à Igreja e à sociedade para enfrentar esta grave crise que afeta a ética pública.” Isto é importante! “O modelo de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova maneira de sermos homens e mulheres?”.



Volto ao testemunho. Antes de mais viver o Evangelho é o principal contributo que podemos dar. A Igreja não é um movimento político nem uma estrutura bem organizada: não é isto. Nós não somos uma ONG, e, quando a Igreja se torna uma ONG, perde o sal, não tem sabor, é apenas uma organização vazia. E nisto sede astuciosos porque o diabo nos engana, porque o perigo do “eficientismo” existe. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, é ser eficiente. Não, isso é outro valor. O valor da Igreja é fundamentalmente viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é o sal da terra e a luz do mundo, é chamada a manter presente na sociedade o fermento do Reino de Deus e fá-lo antes demais com o testemunho, o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da condivisão. Quando ouvimos alguém dizer que a solidariedade não é um valor, mas uma “atitude primária” que deve desaparecer… não dá! Está a pensar-se numa eficácia meramente mundana. 

Os momentos de crise, como os que estamos a viver – mas dissestes antes que “estamos num mundo de mentiras” – este momento de crise não consiste, estejamos atentos, a uma mera crise económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! Mas o homem é imagem de Deus! Por isso há uma crise profunda! Neste momento de crise não nos podemos preocupar apenas connosco, fechar-nos na solidão, no desânimo, no sentimento de impotência perante os problemas. Não vos fechais por favor! Isso é um Jesus perigo: fechamo-nos na paróquia, com os amigos, nos movimentos, com os que partilham as mesmas coisas connosco… Mas sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece cada vez mais. Pensai num quarto fechado durante um ano; quando lá fordes, há um cheiro a bafio, há tanta coisa errada. Uma Igreja fechada é a mesma coisa: é uma Igreja doente. A Igreja tem de sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais sejam elas quais forem, mas sair. Diz-nos Jesus: “Ide por todo o mundo! Andai! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!” (cfr. Mc 16, 15). 

E o que sucede se não sai de dentro de si mesma? Pode dar-se o que sucede a todos aqueles que saem de casa e andam na rua: um acidente. Mas eu digo-vos: prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, que sofreu um acidente, a uma Igreja doente de clausura! Saí, saí! Pensai no que diz o Apocalipse. Diz uma coisa bela: que Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cfr. Ap 3,20). É este o sentido do Apocalipse. Mas perguntai isto a vós mesmos: quantas vezes Jesus está dentro e bate para sair e nós não O deixamos sair para nossa segurança, porque muitas vezes estamos fechados em estruturas caducas que só servem para fazer de nós escravos e não livres filhos de Deus? É importante ir ao encontro nesta livre “saída”; esta palavra pareceu-me muito importante: o encontro com os outros. Vivemos uma cultura do desencontro, uma cultura da fragmentização, uma cultura na qual deitamos fora o que não nos interessa, e todos sem negociar a nossa pertença. E há ou uma cultura do deitar fora. 

Mas convido-vos a pensar neste ponto – e faz parte da crise – nos anciãos que são a sabedoria de um povo, nas crianças… A cultura do deitar fora! Mas devemos ir ao encontro e criar com a nossa fé uma “cultura do encontro”, uma cultura da amizade, uma cultura onde encontremos irmãos, onde possamos falar também com os que a não pensam como nós, com os que têm outra fé, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos sem negociar a nossa fé. E outro ponto importante: com os pobres. Hoje – e dói ouvi-lo – encontrar um vagabundo morto de frio não é novidade. Hoje um escândalo é talvez notícia. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que tantas crianças não têm comida não é notícia. Isto é grave, isto é grave! Não podemos ficar tranquilos! Ora… Mas é assim. Nós não podemos ser cristãos imaculados, esses cristãos demasiado educados, que falam de assuntos enquanto tomam chá tranquilamente. Não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir em busca dos que são a própria carne de Cristo! 

Quando vou confessar – ainda não posso, porque sair para me confessar… daqui não se pode sair, mas isto é outro problema – quando eu ia confessar na diocese precedente, apareciam uns quantos a quem perguntava sempre: “Mas dá esmola?” – “Sim, padre!”. “Ah, bom, bom”. E fazia outras duas perguntas: “Diga-me: quando dá esmola olha para aquele ou aquela a quem a dá?” – “Ah, não, não pensei nisso”. Segunda pergunta: “E quando dá a esmola, toca na mão daquele a quem a dá ou atira a moeda?” Eis o problema: a carne de Cristo, tocar na carne de de Cristo, assumir esta dor dos pobres. A piedade não é para nós cristãos uma categoria sociológica, filosófica ou cultural: não, é uma categoria teologal. Eu diria que é talvez a primeira categoria, porque esse Deus, o Filho de Deus, se baixou, se fez pobre para caminhar connosco. E é esta a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que o Filho de Deus nos trouxe com a Sua Encarnação. 

Uma Igreja pobre para os pobres começa por ir ao encontro da carne de Cristo. Se vamos ao encontro da carne de Cristo, começamos a compreender algo, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isto não é fácil. Mas há um problema que não faz bem ao espírito dos cristãos: o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto leva-nos a uma suficiência, a viver o espírito do mundo e não o de Jesus. A questão que colocáveis: como se deve viver para enfrentar esta crise que atinge a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política. Como se trata de uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, é uma crise que despoja o homem da ética. Se, na vida pública, na política, não houver ética, uma ética de referência, tudo é possível e tudo pode ser feito. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública faz tão mal à humanidade inteira.



Queria contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas fá-lo-ei uma terceira vez a vós. É a história que conta um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ele conta-nos a história da construção da Torre de Babel e diz-nos que, para a construir eram preciso fazer tijolos. O que significa isto? Ir, misturar a lama, transportar a palha, fazer tudo e depois… ao forno. E, uma vez feito, o tijolo era levado para cima, para a construção da torre de Babel. Um tijolo era um tesouro por causa do trabalho todo que dava fazê-lo. Quando um tijolo caía, era uma tragédia nacional e o operário culpado era castigado; um tijolo era tão preciso que era um drama quando caía. Mas se um operário caía, não acontecia nada, era uma coisa totalmente diferente. Isto acontece hoje: se os investimentos nos bancos descem um pouco… tragédia… o que fazer? Mas se as pessoas morrem de fome, se não têm comida, se não têm saúde, não se faz nada! Eis a nossa crise atual! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai ao encontro desta mentalidade.



A quarta questão: “Perante estas situações parece-me que o meu confessar, o meu testemunho é tímido, tem peias. Eu queria fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos, como aliviar os seus sofrimentos nada ou muito pouco podendo fazer para mudar o seu contexto político-social?”.



Para anunciar o Evangelho são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles (os cristãos que sofrem) são a Igreja da paciência. Sofrem e são mais mártires hoje que nos primeiros séculos da Igreja, são mais mártires! São nossos irmãos e irmãs. Sofrem! Levam a fé ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o mais alto grau do testemunho que devemos dar. Estamos no caminho do martírio, dos pequenos martírios; renunciar a isto, fazer aquilo… mas estamos no caminho. E eles, os pobrezinhos, dão a vida, mas dão-na – como sentimos a situação no Paquistão – por amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade, a mesma atitude que eles têm confiando em Jesus, entregando-se a Jesus. 

É bom precisar que muitas vezes estes conflitos não têm uma origem religiosa; há amiúde outras causas de tipo social e político, e infelizmente as pertenças religiosas são utilizadas como achas na fogueira. Um cristão deve sempre saber responder ao mal com o bem, mesmo que isto seja muitas vezes difícil. Nós procuramos fazer sentir a estes irmãos e a estas irmãs que estamos profundamente unidos – profundamente unidos! – à sua situação, que sabemos que eles são cristãos “entrados na paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: dai-lo a saber, mas também dai-lo a saber ao senhor. Pergunto-vos: vós rezais e por estes irmãos e estas irmãs? Rezais por eles? Não vou agora pedir que quem reza levante a mão: não. Não o perguntarei agora. Mas pensai bem nisso. Na oração quotidiana, dizemos a Jesus: “Senhor, olha para este irmão, olha para esta irmã que tanto sofre, que tanto sofre!” Eles experimentam o limite, justamente o limite entre a vida e a morte. E também para nós: esta experiência deve levar-nos a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Todos os homens e todas as mulheres devem ser livres na sua confissão religiosa seja ela qual for. Porquê? Porque esses homens e essas mulheres são filhos de Deus.



E assim creio ter dito algo acerca das vossas questões, peço desculpa se me alonguei demais. Obrigado e não esqueçais: nada de Igreja fechada, mas sim uma Igreja que sai para fora, para as periferias da existência. Que aí o Senhor nos guie. Obrigado.


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