quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O irmão do filho pródigo - Cardeal Joseph Ratzinger (1983)

Meditando nesta parábola, não se deve esquecer a figura do filho mais velho. Num certo sentido, ele não é menos importante que o mais novo, a ponto de esta história poder ter também o título, que talvez fosse mais adequado, de parábola dos dois irmãos. Com a figura dos dois irmãos, o texto situa-se no coração de uma longa história bíblica, começada com a história de Caim e Abel, retomada com os irmãos Isaac e Ismael, Jacob e Esaú, e interpretada em diferentes parábolas de Jesus. Na pregação de Jesus, as figuras dos dois irmãos reflectem sobretudo o problema da relação Israel-Pagãos. Ao descobrir que os pagãos são chamados sem estarem submetidos às obrigações da Lei, Israel exprime a sua amargura: «Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua.» Com as palavras: «Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu», a misericórdia de Deus convida Israel a festejar.

Mas o significado deste irmão mais velho é ainda mais abrangente. Em certo sentido, ele representa o homem devoto, ou seja todos os que permaneceram com o Pai sem desobedecer às suas ordens. O momento do regresso do pecador desperta o ciúme, esse veneno até então oculto no fundo da sua alma. Por quê este ciúme? Ele mostra que muito «devotos» também escondem no seu coração o desejo do país longínquo e das suas seduções. A inveja revela que estas pessoas não compreenderam realmente a beleza da pátria, a felicidade de «tudo o que é meu é teu», a liberdade de ser filho e proprietário. Assim, parece que também elas desejam secretamente a felicidade do país longínquo. E, no fim, não entram na festa; no fim, permanecem de fora. 

A figura do irmão mais velho obriga-nos a um exame de consciência; esta figura permite-nos compreender a reinterpretação dos dez mandamentos que é feita no Sermão da Montanha (Mt 5,28). Não é somente o adultério exterior, mas também o interior que nos afasta de Deus: é possível permanecer em casa e ao mesmo tempo partir. Deste modo, devemos também compreender a «abundância», a estrutura da justiça cristã: ela traduz-se por um «não» à inveja e um «sim» à misericórdia divina.


blogger

2 comentários:

Little Mary disse...

A beleza das parábolas é que nunca se esgotam em riqueza e sabedoria. Em qualquer situação podemos encontrar descanso, conforto na palavra do Senhor. Gosto de vos ler!

João Silveira disse...

Amen!