quinta-feira, 5 de maio de 2011

A árvore de Páscoa - João César das Neves

A raiz é o egoísmo. O fruto é a solidão. O tronco, ramos, folhas e flores são muitos. Vários com nomes maravilhosos: direitos humanos, liberdade individual, realização pessoal. Envenenados pela raiz, os grandes valores apodrecem e infectam. O fruto é sempre a solidão.

Vimos o desejo nobre de a igualdade social acabar nos morticínios da guilhotina jacobina; o desejo sublime da afirmação cultural nacional cair na chacina do holocausto nazi; a ânsia magnífica da justiça económica descambar no horror do gulag soviético. Quanto mais elevados os propósitos, mais monstruosas as aberrações distorcidas pela seiva peçonhenta da raiz soberba.

O pior de todos os ramos coube-nos em sorte. Pior porque toca o mais íntimo do ser humano, a família. Corrompidos os mecanismos sociais no século XVIII, os regimes políticos no século XIX, os sistemas económicos no século XX, hoje as entranhas egoístas da árvore atacam a vida pessoal. Entretanto, a humanidade já expeliu muito do veneno dos outros ramos. Ninguém defende a sociedade sem classes, os regimes perfeitos, a economia colectiva. Apesar dos belos ideais, a desgraça dessas concepções egoístas está à vista. Agora todas as forças se dirigem a esfarrapar os laços familiares, as mais íntimas fibras do nosso ser.

A argumentação é a mesma de jacobinos, nazis e comunistas, aplicada à vida íntima. Pretende-se, como então, defender a liberdade, impor a igualdade, forçar a realização pessoal. Por baixo, como antes, sente-se a cauda viperina do egoísmo.

O amor conjugal é valor que todos defendem. Mas, como os direitos individuais de sucesso pessoal se sobrepõem a tudo, tem de acabar na ruptura e divórcio. Como o indivíduo é soberano, a família não se pode defender dos seus caprichos. A lei, em nome da liberdade, acode promovendo a precariedade. Torna-se mais fácil dissolver um casamento que uma sociedade comercial ou contrato de trabalho.

A fecundidade e felicidade das crianças é propósito universal. Mas, como os projectos de consumo ou carreira têm precedência, o filho transforma-se num inimigo a abater. Em relação tão íntima a única solução é a morte. E o Estado lá está para fornecer abortos subsidiados. Os embriões passam de espécie protegida a vírus de extirpar.

A natureza é valor supremo que todos apoiam ecologicamente. Toda a natureza, menos a humana, porque essa limita a igualdade de género. Que é a natureza face ao império dos sentidos? Como o capricho pessoal afinal tem mais direitos que a realidade congénita, o Estado iguala todas as perversões como aceitáveis e equivalentes.

O efeito comum é sempre a agressão à família. O resultado é sempre a solidão. Como a carreira acaba na reforma, a beleza fenece com a idade, a vitalidade se gasta no tempo, todos acabam sós, autónomos, fechados, contemplando uma colecção de caprichos momentâneos, prazeres fugidios, aventuras ocasionais, rupturas, infidelidades, traições. A conclusão é a velhice solitária, vítima do egoísmo que a isolou. Alguns ainda se espantam dos que morrem anónimos: "Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar" (Bento XVI Caritas in Veritate 53).

Os propósitos anunciados eram grandiosos. O mal estava na raiz egoísta, na origem interesseira, na estrutura auto-suficiente. O mal vinha da base, das entranhas. Que fazer a uma árvore envenenada na estirpe? A única solução é enxertar um galho saudável e esperar que a seiva sadia se espalhe no organismo.

Isso foi o que aconteceu e que nós vos anunciamos. Na Páscoa um ramo de puro amor foi pregado na árvore da morte. Agora, além da seiva do orgulho egoísta, circula no tronco, ramos, flores e folhas um fluxo de divina caridade. O fruto é a união. Isso salvou a sociedade pela subsidiariedade, a política pela democ'racia, a economia pela solidariedade. Isso salvará a família dos horrores com que o nosso tempo a persegue. Só o amor vence a solidão.


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