quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Razoabilidade - D. Luigi Giussani

Apetece-me recordar um episódio que se deu comigo há alguns anos, com o qual aprendi muito. Era a primeira vez que tinha de dar uma hora de aula de Religião como docente num liceu clássico. Mal tinha subido ao estrado, ainda antes de falar, reparo que, do último banco, alguém levanta a mão. Pergunto ao aluno o que deseja. A resposta foi mais ou menos esta: “Desculpe, professor, mas não vale a pena vir aqui falar-nos da fé, raciocionar sobre a fé, porque Razão e Fé representam dois mundos totalmente diversos. Aquilo que se poderia dizer acerca da Fé não tem nada a ver com o exercício da Razão, e vice-versa, de modo que raciocinar sobre a Fé é o mesmo que uma mistificação.” 

Perguntei, então, ao aluno que era para ele a Fé, e, não recebendo resposta, dirigi a pergunta a toda a turma; o resultado foi o mesmo. Perguntei, então, ao aluno do último banco que é a Razão, e, diante do seu silêncio, de novo voltei a perguntar para todos, obtendo o mesmo silêncio. “Como podeis – disse então – julgar sobre a Fé e Razão sem antes procurar saber o que são? Usais palavras cujo significado não possuís.” É claro que as minhas afirmações tiveram o efeito de desencadear uma discussão, e fui percebendo cada vez mais que o professor de Filosofia tinha tido alguma influência na classe. Ao sair da sala no fim da hora, achei-me defronte do próprio – e logo lhe disse que estava admirado de que naquela turma se considerasse óbvio que a Fé não tivesse nada a ver com a Razão. Reagiu dizendo que também a Igreja o afirmara no Concílio Arausicanum II.

Fiz-lhe notar que qualquer afirmação há-de ser interpretada no contexto histórioco em que se deu e do qual exprime concepções e preocupações. Arrancar uma frase do seu contexto cultural e literário e lê-la exactamente como se tivesse sido criada na véspera, é certamente anti-histórico e impede a compreensão correcta. A discussão ia aumentando, e o círculo de estudantes à nossa volta era cada vez mais longo.

Então, embora fosse já o momento de entrar noutra aula, quis que os alunos pudessem compreender em que consistia a questão entre mim e o professor de Filosofia. E perguntei-lhe: “Professor, nunca estive na América, mas posso com certeza garantir-lhe que a América existe. Afirmo-o com a mesma certeza com que digo que o senhor professor está diante de mim neste momento. Acha razoável esta minha certeza?”

Após alguns momentos de silêncio e de evidente embaraço, a resposta foi: “Não!” Era o que eu queria que ficasse bem claro para aqueles alunos, e que também aqui quero afirmar: tenho um conceito de razão para o qual admitir que a América existe sem nunca a ter visto pode ser razoabilíssimo, ao contrário daquele professor, cujo conceito de razão o obriga a dizer que isso não é razoável.

Para mim, a razão é abertura à realidade, capacidade de a captar e afirma na totalidade dos seus factores. Para aquele professor, razão é “medida” das coisas, fenómeno que se manifesta quando há uma demonstrabilidade directa. 

in O Sentido Religioso


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2 comentários:

Peregrino no Caminho da Luz disse...

Caros Senzas, continuo a ser um assíduo visitante do vosso blog e leitor atento dos post que vão surgindo. Em virtude da recente actualização que fiz ao meu blog convido-vos uma vez mais a visitá-lo:

http://peregrinonocaminhodaluz.blogspot.com/

Fraternas saudações, Peregrino no Caminho da Luz

João Silveira disse...

Caro Peregrino, também sou um visitante do seu blog, e dou-lhe os parabéns pela actualização.

Muito especialmente os posts sobre Santa Catarina Labouré e Nossa Senhora das Graças são muito úteis para não esquecer mais esta graça que nos foi trazida pela nossa Mãe do Céu.

Continue a ajudar-nos a peregrinar...

Abraço em Cristo